Literatura no Poder

Muitos verificam que, na contemporaneidade, a política ficou estabelecida num lugar de impasse. O esvaziamento de projetos utópicos se soma ao sequestro das opções, e que em tempos eleitorais, na condição pragmática de escolher o lado “menos pior”, mais elementos se somam àquilo que mina as adesões ideológicas, onde a interdição e a negação da ideologia se torna um sintoma do derretimento da política. A leitura comum é que se trata de uma atividade humana deplorável – porque corruptível – movimentar politicamente no mundo.

E nos rincões mais empobrecidos, e que mais precisam de mudanças estruturais, como poderiam por lá haver mudanças com todos fora da política?

Para além da demonização do fazer político, condição já hegemonizada em nossos tempos, nas periferias, favelas e bairros populares de centros urbanos brasileiros há um agravante: temos a política sob a condição de atividade cerceada, na qual entre os riscos de seus postulantes há o de vida. Nisso, a falta de perspectiva de mudança se expande para uma nova matéria: a expansão das forças autoritárias, quase sempre em pontos de costura com setores (ou com projetos políticos) do poder público, trazendo mais miséria(s) aos grupos sociais economicamente mais vulnerabilizados. 

Fecha o pano.

Mas abrimos novamente. E há cena.

É possível que novos atores entrem. E se entrarem, como se movimentarão nessa floresta de impasses?

Na experiência da Periferia Brasileira de Letras identificamos uma movimentação muito interessante: os coletivos literários que atuam em favelas têm produzido – ainda que de modo atomizado – tecnologias de renovação (ou de inovação) para participação social. 

A Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, através de seu projeto (Centros Urbanos) identificou nos territórios de alta vulnerabilidade social e econômica política e ambiental inúmeras experiências de mobilização social e agitação política. Eram experimentos literários que, de diferentes maneiras, dos slams às bibliotecas comunitárias, das rodas de de leitura às editoras independentes, das residências literárias aos teatros de rua, muitas foram as formas de produzir resistência em relação ao que fosse chave autoritária e numa territorialidade de democracia em suspensão.  

Com a rede da PBL montada, contando com A Pombagem (BA), Slam das Mulé (BA), Biblioteca Comunitária Caranguejo de Tabaiares (PE), Periferia que Lê (CE), Papo Reto (DF), Coletivoz (MG), Poetas Vivxs (RS), Beabah! (RS), Biblioteca Comunitária Girassol (RS), Editora Kitembo (SP), Ecomuseu de Manguinhos (RJ), Poesia da Esquina (RJ) e Rede Baixada Literária (RJ), o que se pode alcançar foram novas possibilidades de entender participação social: o lugar do deleite e do prazer, o encontro com a palavra literária em vários modos e com infindos sentidos, se tornou ali o celeiro para novas gerações se sentirem, juntos, na amálgama das letras, sujeitos com pertencimento a uma perspectiva crítica passível de ser partilhada. Daí a olhar para o lado, olhar para si, olhar para seu território e a iniquidade que o capital produz na vida da cidade onde vive, daí se torna um pulo.

Não um breve pulo. Talvez, mais. Um salto para novos horizontes de políticos. E isso é recuperar um sonho de humanidade. E esse é um lugar fundamental para a favela ocupar. As palavras são de Carolina Maria de Jesus: “Eu acredito que a literatura pode ser uma arma para lutar contra a injustiça e a opressão”.

Felipe Eugênio

Ruth de Souza e Carolina Maria de Jesus, na favela do canindé. São Paulo, 1961